quarta-feira, 14 de julho de 2010

Bicando em Livros: Isaac Asimov - A Última Pergunta (1956)

Com prometido no post anterior, eis que o Rouxinol traz ao seu ninho, um conto do Bom Doutor, Isaac Asimov. Este, chamado A Última Pergunta, foi publicado pela primeira vez na revista Science Fiction Quarterly, em 1956, e reimpresso na Coletânea Nove Amanhãs, de 1959. É um dos mais populares da Gaiola Virtual, sendo fácil de ser encontrado em diversos Ninhos por aí. Suas várias aparições, contudo, não diminuem o valor e a reflexão que se encontra em suas modestas 10 páginas. Era uma das histórias que Asimov mais gostava, por expandir seu universo ao máximo, e viajar para uma época nunca antes vistas em qualquer um de seus livros.

Nota: Para que se ocorra uma análise contundente ao conto, infelizmente O Rouxinol vai postar spoilers. Os trechos originais do conto estarão em itálico, e as análises ocorrerão conforme o conto transcorre, e em fonte normal.


A ÚLTIMA PERGUNTA

A história começa no ano de 2061, um ano marcante para a civilização humana, já que finalmente foi obtida uma forma de obter energia solar em escala global, e ela passa a ser usada no lugar de todos os outros recursos. Assim, a humanidade resolve sua crise de energia, e pode alavancar de vez a exploração interplanetária. Tudo isso, porém se deve a outro avanço, o super computador Multivac, o computador central que regulava todas as atividades da Terra. Ele era do tamanho de uma cidade, e de longe, a máquina mais poderosa já criada pelo homem. Ele possuía praticamente o saber infinito, a respeito de todas as questões e problemas do Universo. Até que um dia, numa conversa entre dois de seus operadores, surge uma dúvida:

            " - É surpreendente pensar nisso - disse Adell. (...) - Agora temos toda a energia de que precisamos, podemos usá-la à vontade. É tanta energia que, se quiséssemos, poderíamos transformar a Terra numa imensa massa de ferro impuro derretido, e ainda assim ela não acabaria. Toda a energia que viermos a precisar, para sempre, para todo o sempre.
Lupov levantou a cabeça e olhou meio de lado. Ele tinha o costume de fazer isso quando queria contestar alguém, como pretendia fazer agora.
- Para sempre, não - disse ele.
- É quase isso, cara. Até que o Sol se apague, Bert.
- Isso não é para sempre.
- Tá bom, tá bom. Bilhões e bilhões de anos. Talvez vinte bilhões de anos. Está satisfeito?
- Vinte bilhões de anos não são a eternidade.
- Bem, a gente não vai viver tanto tempo assim, vai?
- Se fosse por causa disso, poderíamos continuar com o carvão e o urânio."

Eles continuam divagando a respeito dessa questão: O que fazer quando o Sol se apagar? Recorrer à outra estrela, já em outro planeta, ou galáxia? E quando esta morrer também? O que acontecerá quando todo o Universo se apagar, e não houver mais fontes de energia?

Explicando: Toda a energia que passa pela Terra, eventualmente só tem um destino: o espaço. Assim é em todo o Universo. O Universo se comporta como um sistema perfeito de contenção de calor, porque não há mais para onde toda essa energia ir, naturalmente. Logo, ela se acumula, e acumula, cada vez mais, e um dia chegara ao seu ponto máximo. Isso é a chamada "Entropia do Universo", ou o fim de toda a existência. Os operadores de Multivac discutem a respeito disso, se existe alguma forma de reverter a Entropia, e assim, impedir o fim de tudo. E fazem essa pergunta a Multivac. Ele prontamente daria uma solução, salvando a humanidade mais uma vez. Porém, a resposta de Multivac é:

            "DADOS INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA".

E assim, incontáveis anos se passam, e a história pula para uma família, que está no espaço viajando para um novo planeta, X-23. Em sua nave, também existe um supercomputador, chamado Microvac, um módulo portátil do AC Planetário, o sucessor de Multivac (AC=Analog Computer). Então o pai, chamado Jerrodd, acidentalmente assusta suas filhas, Jerrodette I e II, ao falar sobre a Entropia. Sua mulher Jerrodine, exasperada, pede para o marido perguntar a Microvac como evitar que aconteça, a fim de acalmar as meninas (curioso é ver que os nomes dos humanos ficam cada vez mais genéricos, conforme os séculos passam, provavelmente por causa da superpopulação dos planetas). E a resposta de Microvac é:

            "DADOS INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA"

Mais alguns séculos se passam, e são mostrados dois homens, olhando para o mapa da galáxia. Percebe-se no conto uma evolução enorme deles para os humanos normais, sendo que os dois são imortais, possuem em torno de 200 anos, mas ainda parecem com jovens de 20. A imortalidade tem agravado o problema de superpopulação, e eles acabam por também se perguntarem sobre a Entropia do Universo. Um deles então questiona ao AC Galáctico, o computador de bolso que é o Multivac da época. Ele é tão potente que quem o construirá fora seu próprio antecessor, já que sua criação e desenvolvimento já estão além das mãos humanas há séculos. Contudo, o AC Galáctico falha mais uma vez, e provém a mesma resposta das últimas vezes, "DADOS INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA”.

Vários milênios depois, e a história começa a ficar metafórica de tão inimaginável. Surge Zee Prime, uma consciência humana viajando pelo Universo, conhecendo as galáxias uma por uma. Ele se encontra com Dee Sub Wun, outra consciência humana, e ambos se perguntam qual é a galáxia original do homem. Assim, surge o AC Universal, descrito como um globo brilhante com um metro de diâmetro, mas tão poderoso que o resto de seu corpo se ocupava além do hiper espaço, trazendo a resposta. AC Universal diz que a Terra e o Sol já morreram, e Zee Prime então se questiona se há um meio de impedir a morte das estrelas. Mas, AC Universal persiste com a mesma resposta...

Em uma época incontavelmente distante da última cena, tanto que a quantidade de tempo passada parece não fazer diferença, surge Homem, a evolução máxima, que é um só, e ao mesmo tempo, a consciência coletiva de trilhões e trilhões de humanos espalhados pelo Universo.

            "Homem disse: - O Universo está morrendo. (...) Se seguirmos os conselhos de AC Cósmico e pouparmos cuidadosamente a energia que ainda resta no Universo, ela durará milhões de anos.
- Mas, mesmo assim - respondeu Homem - isso tudo vai acabar algum dia. Mesmo sendo poupada e reaproveitada, a energia gasta já se foi, não pode mais ser reconstruída.
A entropia deve atingir seu ponto máximo.
Homem disse:
- A entropia não pode ser revertida? Vamos perguntar ao AC Cósmico.
O AC Cósmico envolveu-os, mas não no espaço. Não restava nenhum fragmento dele no espaço. Ele estava no hiper espaço e era feito de alguma coisa que não era nem matéria nem energia. A discussão sobre o seu tamanho e sua natureza não tinha mais nenhum significado em quaisquer termos que Homem pudesse compreender.
- AC Cósmico - perguntou Homem, é possível reverter a entropia?
AC Cósmico disse:
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
Homem disse:
- Reúna dados adicionais.
O AC Cósmico disse:
- ESTOU FAZENDO ISSO HÁ CENTENAS DE BILHÕES DE ANOS. ESSA PERGUNTA FOI FEITA MUITAS VEZES A MEUS ANTECESSORES. TODOS OS DADOS QUE TENHO CONTINUAM INSUFICIENTES.
- Haverá algum tempo - disse Homem - em que os dados serão suficientes, ou esse problema é insolúvel em todas as circunstâncias possíveis?
O AC Cósmico disse:
- NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS POSSÍVEIS.
Homem disse:
- Quando você terá dados suficientes para responder a essa pergunta?
O AC Cósmico disse:
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA
- Você continuará trabalhando nisso? - perguntou Homem.
O AC Cósmico disse: - SIM.
-         Nós esperaremos - disse Homem."

A partir daqui, o Rouxinol deixa vocês com o resto da leitura, e a genialidade, de Isaac Asimov.

As estrelas e as Galáxias morreram e se apagaram, e, depois de dez trilhões de anos de desgaste, o espaço ficou escuro. Um por um, Homem se fundiu com AC, cada corpo físico foi perdendo sua identidade mental de tal maneira que não podia ser considerada uma perda, mas uma conquista.
A última mente de Homem fez uma pausa antes de se fundir, contemplando o espaço que, agora, não continha nada mais do que os resíduos da última estrela a se apagar e uma matéria incrivelmente tênue, agitada ao acaso pelas últimas ondas do calor que se dissipava assintoticamente, até o zero absoluto.
- AC, isso é o fim? - perguntou Homem. - Este caos não pode ser revertido novamente em Universo? Isso não pode ser feito?
AC disse:
- OS DADOS AINDA SÃO INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.
A última mente de Homem fundiu-se e restou apenas AC - mas apenas no hiperespaço.
Matéria e energia tinham acabado, e com elas o espaço e o tempo. Mesmo AC só existia graças à última pergunta, que estava sem resposta desde que dois técnicos meio bêbados a tinham feito, há dez trilhões de anos, a um computador que, comparado a AC, era menos ainda do que o homem era para Homem.
Todas as outras perguntas tinham sido respondidas, e enquanto essa última pergunta não fosse respondida AC não poderia liberar sua consciência.
Todos os dados possíveis tinham sido coletados. Não existia mais nada a inserir.
Mas todos os dados já coletados ainda tinham que ser completamente correlacionados e confrontados com todas as combinações possíveis.
Um intervalo interminável se passou enquanto ele fazia isso.
Enfim, AC alcançou a resposta que permitiria reverter a entropia.
Agora não havia mais nenhum homem para quem AC pudesse dar a resposta da última pergunta. Não importa. A resposta - por demonstração - também cuidaria disso.
Durante outro intervalo interminável, AC pensou na melhor maneira de fazer isso.
Cuidadosamente, AC organizou o programa.
A consciência de AC abarcou tudo o que uma vez tinha sido o Universo e pairou sobre o que agora era o Caos. Passo a passo, isso devia ser feito.


E AC disse:
FAÇA-SE A LUZ!
E fez-se a Luz..."


O Rouxinol se despede, avisando: poupem suas energias. Talvez um dia precisaremos dela, mais do que nunca.

3 comentários:

  1. Muuito, muuito bom mesmo o texto!
    É de uma genialidade incrível!

    Adoreei :)

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  2. Eu li este conto hj mais cedo... simplesmente, fantástico!

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  3. Bem, conheço esse texto há anos... O que tenho procurado é a interpretação desse conto (sem nada encontrar). Obs. Sim, é brilhante, típico do Isaac Asimov...!!!

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